A mulher do aplicativo

Sentiu-se incapaz de trabalhar pelo resto do dia, ora pensava que sina levara sua amante, ora lembrava do cadáver ruivo do lago. Decidiu voltar para casa, o silêncio reinante era convidativo. Provavelmente sua esposa já estaria no sítio, onde passariam o feriado prolongado.

Ligou a televisão com expectativa de saber qual fim deram no cadáver do lago, trocou de canal até voltar ao mesmo do início, nada! Talvez a reportagem tivesse passado nos jornais anteriores, pensou. Apanhou o celular no bolso, pesquisou a respeito do assunto na internet, e outra vez nada!

Como era possível não haver notícia sobre o corpo? Talvez as autoridades tivessem ignorado sua chamada por ter sido realizada anonimamente, contudo, com certeza outra pessoa teria visto o corpo também.

No entanto, não era somente o cadáver no lago que o preocupava. Ainda com o celular em mãos, entrou no aplicativo de relacionamento responsável por juntá-lo à sua amante. Enquanto as notificações carregavam, odiou-se por não saber nada sobre ela, nem seu número, nem onde morava e muito menos se possuía família. E se seu marido houvesse descoberto sobre os dois? Poderia estar agora indo atrás dele.

O som emitido pelo celular o despertou do temor, o aplicativo terminara de carregar. Vários perfis femininos apareceram na tela, os batimentos dentro de seu peito aceleravam na medida em que via cada perfil sem reconhecer nenhum. Não conseguia lembrar do rosto dela.

Despertou outra vez de seus delírios pelo som do celular, havia recebido uma mensagem do aplicativo. Não tinha tempo para novas conversas, foi com intuito de apagá-la, porém foi direcionado ao perfil do emissor. Aquilo não poderia ser real, seu rosto contorceu de perturbação outra vez, havia finalmente encontrado um perfil conhecido, era a foto do corpo que vira mais cedo no lago.

Claro, a foto era de uma bela mulher, estava pálida como outrora, mas agora em virtude do excesso de maquiagem e não pelo avanço da decomposição. A mensagem enviada dizia: “Esqueceu de mim, Nio? Estou aqui, no último lugar onde conversamos”.

Aquilo era uma completa loucura, ele nunca tinha conversado com ela antes. Porém, algo naquela mensagem estava entranho, a única pessoa que o chamava de “Nio” era sua mulher. Talvez ela tivesse descoberto sobre a traição, mas, mesmo assim, não fazia sentido armar todo aquele cerco.

Leu novamente a mensagem: “no último lugar que conversamos”, havia sido no quarto dela. Aquilo poderia soar estranho a qualquer um, os dois dormiam em quartos separados há alguns meses.

Levantou então do sofá, caminhou até a porta do quarto e adentrou o cômodo, estava vazio, apenas uma coisa chamou sua atenção – o guarda-roupa não estava completamente fechado. Ele parou em frente ao seu reflexo no grande espelho da porta, abriu o guarda-roupa com um simples movimento e nada! Fechou a porta aliviado, contudo a imagem contida no espelho agora era outra. Como um mímico, o corpo do lago ou a mulher do aplicativo havia tomado o lugar de seu reflexo e imitava todas as suas expressões.

Ela ergueu as mãos cadavéricas e as esticou em sua direção. Ele foi perceber tarde demais que fazia o mesmo movimento, apenas quando as gélidas mãos pousaram na sua cabeça e o puxaram para dentro do espelho.

Sentiu a água entrar em seus pulmões e, por alguns segundos, um azul intenso cegou-o ao abrir os olhos. Uma fraca brisa soprava em seu rosto, tentou virar o pescoço para ver onde estava, mas percebeu a impossibilidade de tal ato. Ouviu um grito distante dizer: “Meu Deus! Aquilo é um corpo boiando no lago?!”.


Autoria: Yuri Santos da Luz

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