A de quando a água queria me lembrar

Uma vez, a água se apegou a um homem. Não em algum sentido romântico, mas em questão de afeição. Ele costumava caminhar para o trabalho ao lado do lago, todos os dias, e ela se acostumou a prestar atenção quando ele passava. Gostava de ouvir seus assobios, da mesma forma que gostava do cantar dos pássaros e do nadar dos peixes, e trazia-lhe conforto vê-lo ali. Assim, durante as manhãs ansiava pelo que considerava um amigo, esperando que sua habitual felicidade iluminasse o dia. Porém, com o tempo, as coisas foram mudando. Seu caminhar continuou, mas agora parecia pesado. Ele não cantava mais, seu rosto passou de um dia ensolarado e se tornou igual a um dia nublado. Ela ficou deprimida em ver ele assim parecendo outra pessoa. Então, procurando uma solução, lembrou-se que o conhecia de outros tempos. Assim, um dia, quando o homem caminhava, percebeu que a água parecia mais agitada do que de costume. Além disso, algo parecia refletir de forma diferente ali. Se aproximando, reparou que haviam conchas (que ele nem sabia existir no lago!). Elas refletiam luzes como o arco-íris.

A água observou seus olhos se encherem de lágrimas, e por um momento teve medo de ter piorado a situação em vez de ajudado. Mas, na realidade, ela trouxe de volta as memórias boas esquecidas. Quando criança, ele ia à praia com a mãe, onde brincava de fazer castelos (que na época lhe pareciam enormes) e recolher conchinhas para serem suas portas e janelas. Lembrou das brincadeiras, sorvetes e diversão. Seu coração doeu de saudade, mas inchou de nostalgia. Nesse momento, ele sentiu o sol em sua pele refletindo o calor da praia de suas memórias, e por um momento teve certeza que sentiu o cheiro do mar. Em seu rosto, se abriu um sorriso e assim foi desnublando aos poucos a amargura que andava carregando. 

Não foi um trabalho breve, e aos poucos a água foi trazendo coisas para animar seu amigo. E a cada vez, uma memória feliz ajudava a lavar o pesar que carregava em seu coração. Assim, depois que ele voltou ao antigo normal, com sua melodia animada e a felicidade no olhar, ainda que existissem dias ruins, ele aprendeu uma coisa, coisa esta que a água fazia questão de lembrá-lo: as coisas boas continuavam ali, os momentos bons para sempre estariam com ele.


Autoria: Catarina Franco Seco

Postar um comentário

Copyright © Narrativas Londrinenses. Designed by OddThemes